A decisão da Anvisa de autorizar a produção e registro do remédio à base de cannabis no Brasil não é algo necessariamente positivo.
Se por um lado é um marco regulatório importante, que dará visibilidade a legalização e acesso aos pacientes que precisam do medicamento, por outro lado, é mais uma barreira imposta para o fim da guerra às drogas e um fardo para ativistas, comunidades de cultivo e indústria nacional.
Isso porquê o que foi autorizado hoje foi basicamente a importação de produtos prontos de CBD. Já que o plantio continua ilegal e a manipulação de canabinóides é expressamente vedada pela resolução.
Ou seja, pacientes com prescrição médica para determinadas doenças poderão comprar produtos importados em farmácias. Produtos estes que terão um baixo índice the THC (0.2%), a não ser em circunstâncias muito especiais.
E isso quer dizer que, no cenário mundial da legalização, o resultado concreto dessa decisão da Anvisa será de que empresas, em sua maioria canadenses, poderão vender para o maior mercado da América Latina produtos cultivados, manipulados, empacotados, estudados e testados fora do Brasil.
Isso contraria o processo histórico de legalização no país, coloca a produção nacional em risco antes mesmo dela se iniciar, e cria uma segregação de um mercado de bilhões de dólares.
Se em toda a indústria tempo é dinheiro; na indústria da cannabis, onde as evoluções acontecem em tempo recorde, é fácil prever que em um cenário futuro, no qual haja uma cadeia produtiva de cannabis regulamentada, as empresas brasileiras estarão competindo em desigualdade.
Contudo, mais importante do que a análise mercadológica é a análise social do fato. Os principais motivos para a legalização são: a redução de danos, controle do produto, taxação, diminuição do tráfico e da guerra as drogas – e consequentemente, das incontáveis mortes que ambos geram.
Essa resolução não traz qualquer impacto sobre tais fatores. Dentro de uma cadeia produtiva regulamentada, espera-se a geração de emprego, a taxação dos produtos, a redução do consumo ilegal, a sustentabilidade da produção, etc. Nenhum desses fatores foi levado em conta.
E por fim, sabe-se lá se esses produtos importados terão um preço acessível aos pacientes que precisam dele.
Em suma, mais um capítulo na caminhada capenga do Brasil em rumo a inevitável legalização. Um passo meio torto, mas de qualquer forma, continua sendo um passo.
Ana Beatriz Campbell é formada pela Faculdade Nacional de Direito da UFRJ. Advogada há 8 anos, trabalhou por 2 anos no PSOL-RJ e desde 2016 integra o primeiro departamento de políticas públicas de cannabis do mundo, na cidade de Denver, no Estado do Colorado, EUA.